Portugal

50 mulheres contam em livro onde é que estavam no 25 de Abril de 1974

Notícias de Coimbra com Lusa | 8 meses atrás em 20-04-2024

Imagem: Fátima Lopes Photography

Cinquenta mulheres recordam como viveram a Revolução há 50 anos, de perto ou à distancia, como participantes ou observadoras, num livro de testemunhos enquadrados num passado amordaçado, em que não conseguiam fazer ouvir a sua voz.

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“50 Anos, 50 Vozes, 50 Mulheres” foi publicado este mês pelas Edições Esgotadas e é coordenado por Violante Saramago Matos, que na introdução explica logo ao que vai: trata-se de uma obra que assinala os 50 anos de um projeto e regime democrático, traz 50 depoimentos e dá voz a 50 mulheres.

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A coordenadora explica que quis este livro “como um ir à memória” de um passado que não está longe na História, como revelam os testemunhos publicados.

“50 vozes, diferentes no que eram, na idade que tinham, de como viveram, do que sentiram, do que sonharam, expressão que sabemos insuficiente do que somos enquanto sociedade”, escreve.

Esta era uma sociedade de gente com curso superior e gente analfabeta, gente com intervenção e sem intervenção, gente que passava fome e gente que nem sabia o que isso era, gente que foi apanhada de surpresa e gente que sabia que estava para acontecer alguma coisa.

Tudo isso está refletido neste mosaico social construído a partir dos testemunhos recolhidos de 50 mulheres, escolhidas por ser às mulheres que o Estado Novo oferecia “a casa para limpar, os filhos para cuidar, o marido para respeitar”, pessoas que verdadeiramente não existiam, não contavam, não tinham direitos, e eram poucas as que conseguiam fazer ouvir a sua voz e manifestar as suas vontades.

A variedade está bem representada neste livro, que conta com testemunhos como o da jurista e política Ana Gomes, que começa por dizer que tem o privilégio de “poder responder à célebre pergunta de Baptista Bastos ‘Onde é que você estava no 25 de Abril?’ com um simples ‘Lá’”.

Com 20 anos na altura, trabalhava numa companhia de peixe congelado, porque estava impedida de entrar na Faculdade pelos vigilantes do Governo, e preparava-se para sair para uma ação de rua antes do trabalho, quando recebeu um telefonema a dar conta do golpe de Estado.

A ex-diretora das Galerias 111 e comissária das exposições do Centro de Arte Manuel de Brito, Arlete Silva, recorda que tinha 29 anos, todos vividos em ditadura, quando se deu a revolução, tendo começado a viver com medo a partir dos sete anos.

Carlota Ramalho, professora reformada, evoca “um período de grandes preocupações”, entre meados de 1973 e princípios de 1974, quando tinha 25 anos, motivadas por reuniões secretas do marido, relacionadas com o movimento dos capitães.

Célia Metrass, fundadora do Movimento de Libertação das Mulheres, conta que com apenas 17 anos e uma forte consciência política imaginava que quando acabasse a ditadura haveria música nos coretos dos jardins ao domingo, um “pensamento ingénuo, mas carregado de simbolismo”.

Para esta feminista, 25 de Abril de 1974 amanheceu com um telefonema a dizer “parece que é desta”, depois da tentativa falhada das Caldas da Rainha.

A atriz Cucha Carvalheiro recorda o sobressalto que a tomou quando o telefone a acordou a meio da noite: “Morreu alguém?”.

“Do outro lado, voz amiga acalma-me, ‘liga o rádio’. Poucas palavras, pois nunca se sabia se a PIDE estaria à escuta. Acendo um cigarro com um isqueiro ilegal – nesse tempo era obrigatória a licença de porte de isqueiro”, conta a atriz.

Já a jornalista Diana Andringa, que na altura tinha 26 anos e não era jornalista, diz que a campainha tocou antes do despertador e que era a vizinha do andar de baixo, Fernanda Tomás, sua companheira de cela em Caxias, que na altura já ia no nono ano de prisão.

Diana abriu a porta rapidamente e a vizinha anunciou que devia ter havido um golpe de Estado, porque a rádio transmitia música militar e dizia às pessoas para não saírem de casa.

A ex-professora e diretora de cargos na área do ensino, Fernanda Amaral faz um relato centrado principalmente na perspetiva de mulher de um Capitão de Abril, António Luís Ferreira Amaral, com quem casou em 1972.

Viviam em Viseu, e na véspera da revolução foram acordados por uns colegas do marido que vinham de Lisboa e que precisavam da sua boleia de carro para ir a Lamego levar uns documentos.

Esses papéis eram as “instruções para o grande dia. Era o começo da revolução”, conta, recordando que no dia seguinte (24) ela e o marido não se deitaram e ficaram sentados no sofá a ouvir rádio, esperando “com ansiedade e angústia pela hora que se aproximava”.

Ao irromper a primeira senha do pequeno portátil – “E depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho – o marido levantou-se, foi buscar o saco preparado para os dias que tivesse de permanecer no quartel, onde as funções a desempenhar já tinham sido distribuídas, e saiu.

Vendo-se sozinha em casa, com um filho bebé no berço, Fernanda colou-se ao rádio, com o coração a “bater aceleradamente”, em “horas desesperantes”, até que “finalmente Zeca Afonso atroa os ares com ‘Grândola, Vila Morena’”, o que significava que a revolução tinha começado e o plano traçado estava em marcha.

A médica Isabel do Carmo lembra a vida em ditadura, a fundação das Brigadas Revolucionárias com Carlos Antunes, os vários assaltos à sua casa pela PIDE, a passagem à clandestinidade e o período revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril, de que foi militante muito ativa.

Por sua vez, a jornalista Helena Neves foi uma das muitas pessoas apanhadas pela Revolução quando estavam presas. Ela, o marido e outros foram os últimos a serem libertados da prisão, no dia 27 de abril.

Isabel Soares, filha do histórico socialista Mário Soares, evoca esses dias em que andou a distribuir água e sandes aos revoltosos, os gritos de “viva a liberdade”, a euforia no Largo do Carmo, a emoção na libertação dos presos políticos em Caxias, mas também a correria e os tiros junto à sede da PIDE, na rua António Maria Cardoso, que vitimaram cinco jovens.

Ana Benavente, Dulce Rocha, Edite Estrela, Ilda Figueiredo, Irene Pimentel, Lídia Jorge, Manuela Eanes e Teresa Ricou são apenas mais alguns dos vários nomes que prestam testemunho neste livro, que deixou de fora a própria Violante Saramago, “por opção”, embora esta assinale que na altura era estudante universitária e passou a noite de 24 para 25 de Abril com o marido, que estava na clandestinidade, numa casa cedida por um amigo.

Admitindo que a coordenação deste livro lhe trouxe um novo olhar, a descoberta de distintas vivências, uma reflexão amadurecida e um entendimento acrescido sobre “o acontecimento sociopolítico mais importante” da história recente do país, Violante Saramago destaca a importância do testemunho coletivo aqui deixado, “precisamente neste ano, em que ameaças palpáveis são nuvens escuras sobre estes 50 anos.”

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