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2020: Cabo Verde sem turismo mergulha na crise

Notícias de Coimbra | 4 anos atrás em 25-12-2020

A pandemia marcou Cabo Verde em 2020, mergulhando na mais grave crise económica desde a independência, tornando-se simultaneamente palco internacional da disputa entre Estados Unidos e Venezuela, enquanto viu com surpresa o PAICV reconquistar a câmara da Praia.

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A covid-19 já se fazia sentir em vários países, levando Cabo Verde a começar a aplicar algumas restrições e medidas preventivas, quando, em 19 de março, a confirmação de um turista inglês de 62 anos infetado na ilha da Boa Vista com o novo coronavírus, que dias depois acabaria por morrer, marcou o início da paragem total do arquipélago.

Os voos comerciais internacionais ficaram suspensos, para conter a pandemia, até 12 de outubro, e o turismo, que garante 25% do Produto Interno Bruto (PIB), desapareceu, deixando 2020 com uma expectativa de pouco mais de 300 mil turistas, face ao recorde histórico de 819 mil em 2019.

Com os primeiros efeitos da crise e da covid-19, o ministro das Finanças, Olavo Correia, não teve rodeios em descrever os efeitos nas contas de 2020: “O Orçamento pifou”.

A procura turística por Cabo Verde, segundo o Governo, deverá recuar 15 anos em 2020, perdendo meio milhão de turistas num ano, com implicações económicas que apenas o aumento da dívida pública (para cerca de 145% do PIB), donativos e ajudas orçamentais atribuídas por vários países e financiamentos contraídos junto de entidades globais, como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, ajudaram a debelar.

O arquipélago entrou no final de março em estado de emergência, pela primeira vez na sua história, que se prolongou de forma diferenciada por ilhas, até maio, e durante várias semanas as ligações interilhas foram suspensas, para tentar travar a progressão da doença.

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Cabo Verde chega a dezembro com cerca de 11.000 casos de covid-19 confirmados mas também com o ‘título’ de um dos países que mais testes realiza em África, para um total de pouco mais de cem mortes por complicações associadas à doença desde março.

Empresas e escolas fechadas, ruas, mercados e praias desertas, bem como viagens limitadas marcaram os primeiros meses da pandemia em Cabo Verde, cujo desconfinamento iniciado em junho fez disparar os números da covid-19 até à forte redução em novembro, chegando a cerca de 250 casos ativos em todo o arquipélago.

“Para podermos ter o máximo de controlo possível sobre a situação da pandemia”, justificou no final de abril o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, a propósito das limitações impostas e assumindo que o primeiro objetivo é “sobreviver” enquanto pessoas e sociedade à pandemia, para depois “relançar” a vida, embora “em moldes muito diferentes”.

Sem turismo para gerar atividade nas empresas e receita fiscal para o Estado, 2020 ficou marcado em Cabo Verde, além da crise sanitária, pela profunda crise económica, que inverteu anos consecutivos de crescimento acima de 5%. Para este ano é esperada uma recessão à volta dos 10% do PIB, algo nunca visto nos 45 anos de independência.

Com o arquipélago fechado a voos internacionais regulares, uma escala para reabastecimento na ilha do Sal, em 12 de junho, acabou em polémica e colocou Cabo Verde no centro da disputa internacional entre o regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, e a liderança de Donald Trump, nos Estados Unidos da América (EUA).

Nesse dia, enquanto viajava como “Enviado Especial” da Venezuela, com passaporte diplomático, o empresário colombiano Alex Saab, considerado pelos EUA como “testa-de-ferro” de Maduro, que seguia nessa aeronave, foi detido pelas autoridades cabo-verdianas e pela Interpol a pedido da Justiça norte-americana, que emitiu um mandado de captura internacional e que depois pediu a sua extradição.

O tribunal da Relação do Barlavento, na ilha de São Vicente, autorizou a extradição em julho, mas a defesa de Saab, liderada pelo mediático antigo juiz espanhol Baltasar Garçón, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e para várias entidades internacionais, acusando Cabo Verde de ceder à “pressão” dos Estados Unidos.

Sem qualquer decisão final até ao momento, Alex Saab permanece detido em Cabo Verde, com o Governo da Venezuela a acusar Cabo Verde de violar as “normas internacionais”, tal como as “ações de agressão e cerco contra o povo venezuelano, empreendidas pelo Governo dos Estados Unidos da América”.

No plano interno, e num cenário de pandemia que chegou a estar descontrolada, sobretudo na cidade da Praia, e já com os efeitos de uma profunda crise económica, Cabo Verde foi a votos em 25 de outubro, sem receios da pandemia, para escolher pela sexta vez os autarcas dos 22 municípios do arquipélago.

O Movimento para a Democracia (MpD), que assumiu o Governo cabo-verdiano em 2016, confirmou a liderança no poder local, ao garantir 14 câmaras. Contudo, perdeu terreno, face às 18 conquistadas nas eleições municipais anteriores, mas sobretudo viu a oposição direta crescer: O Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) passou de duas para oito câmaras e, quando poucos esperavam, conquistou a da Praia de forma surpreendente.

Em plena noite eleitoral, perante um silêncio representativo da cúpula dirigente do MpD, a líder do PAICV, Janira Hopffer Almada, colhia os frutos da vitória no maior círculo eleitoral do país: “Grande vitória dos praienses e da humildade e a vontade de fazer mais e melhor pela Praia”.

As eleições aconteceram um mês e meio depois de históricas inundações na capital, que provocaram, após várias horas de chuva sem paralelo nos últimos anos, a morte de um bebé e destruição em vários pontos, sobretudo de casas, avaliada em mais de dois milhões de euros.

Após três anos de seca, a chuva que caiu sobre várias ilhas de julho a outubro deu algum alívio à agricultura, mas todos esperam que se repita no início do próximo ano.

“Precisamos de muito mais para que possamos ter a reserva de água subterrânea, que é essencial não só para a prática da agricultura, mas também para distribuição de água em algumas ilhas que se encontram em situação mais crítica e com maior consumo”, afirmou o ministro da Agricultura, Gilberto Silva.

Apesar desta esperança, as autoridades cabo-verdianas mantiveram a aposta em fontes alternativas de água, desde logo o tratamento da água do mar para o uso na agricultura, projeto que contará com o apoio financeiro da Hungria, no valor de 35 milhões de euros e que foi fechado já em dezembro.

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