Crimes
20 escolas são palco de agressões e ameaças de morte
A polícia e GNR são chamados, em média, 17 vezes por dia às escolas e, só este ano letivo, já foram públicos 24 casos de agressões ou ameaças de morte.
No início do ano letivo, o professor Alexandre Henriques, especialista em gestão de conflitos e violência escolar, criou no seu blogue “Com Regras” um contador de ocorrências nas escolas portuguesas: em 18 semanas de aulas, 24 professores, funcionários e alunos foram agredidos ou ameaçados de morte.
Quando hoje se assinala o Dia Internacional da Não Violência e da Paz nas Escolas, as histórias relatadas aconteceram um pouco por todo o país. Os agressores são quase sempre alunos, mas, por vezes, também os pais tomam as dores dos filhos e decidem fazer justiça pelas próprias mãos.
Do outro lado da barricada, estão quase sempre professores e funcionários. Estalos, murros e pauladas são alguns dos ataques revelados no blogue, onde estão também relatos de agressões sexuais.
As vítimas são invariavelmente apanhadas de surpresa. As agressões acontecem dentro da sala de aula ou nos recreios, perante o olhar de todos. Além da agressão, há a humilhação pública, sublinhou Alexandre Henriques em declarações à Lusa.
Os números mostram que todas as semanas alguém é agredido ou ameaçado de morte. Mas, tanto professores como polícia, garantem que existem muitos mais casos que ficam dentro dos muros das escolas, sem nunca serem esquecidos pelas vítimas.
“Muitos preferem remeter-se ao silêncio para não colocar a imagem da escola em causa”, acrescentou Alexandre Henriques, que sabe de histórias que não aparecem no contador porque lhe pediram segredo.
Os últimos dados do Ministério da Administração Interna relevam que no ano letivo de 2017/2018 as equipas da Escola Segura registaram 6.422 ocorrências. Em média, PSP e GNR foram chamados às escolas 17 vezes por dia.
Há cerca de cinco anos, Alexandre Henriques fez dois inquéritos sobre indisciplina nas escolas, tendo respondido cerca de 5% dos estabelecimentos de ensino, frequentados por cerca de 30 mil alunos.
Naquelas escolas houve seis mil participações e, através desta amostragem, o professor fez uma extrapolação simples, concluindo que em todo o país poderia haver mais de 200 mil participações disciplinares por ano.
Para quem trabalha diariamente nas escolas, as diferenças entre os números podem ser facilmente explicadas: “A maior parte dos casos não é reportada” e as razões para o silêncio são várias.
A própria polícia sabe que alguns casos ficam dentro dos muros das escolas. “Todas as escolas têm problemas. Cabe às escolas reportar esses problemas, mas muitas vezes não passam cá para fora”, contou Antero Correia, agente da PSP da Escola Segura.
Existem situações em que é a própria direção da escola que pressiona para que não haja queixas. Teresa, nome fictício de uma diretora de turma de uma escola em Lisboa, contou à Lusa a história de uma colega que foi agredida, mas o caso foi abafado.
“O aluno empurrou-a e quando ela caiu ao chão partiu o pulso. A professora queria fazer queixa, mas a direção sugeriu-lhe que dissesse antes que tinha sido um acidente de trabalho, se não iria haver muitos problemas. E assim foi”, recordou.
Numas das suas turmas, também tem um menino bastante problemático que recentemente “agrediu um professor de manhã e ameaçou outro durante a tarde”, contou à Lusa. O docente agredido não quis apresentar queixa do rapaz de 13 anos.
“O professor disse-me que a família precisa de ajuda e não de mais problemas”, recordou Teresa, explicando que o pai abandonou a família, a mãe está sempre ausente e é a irmã, uma adolescente que já tem um filho, quem tenta cuidar dele.
Teresa também já foi ameaçada. “Uma rapariga do 9.º ano entrou na minha aula aos gritos e foi por um triz que não levei uma chapada. Senti que ia ser naquele dia”.
Estava decidida a marcar falta disciplinar, mas quando soube que a mãe da aluna tinha uma doença oncológica optou apenas por contactar a família para a pôr a par do que se estava a passar na escola.
A relação que se vai criando com os alunos e o conhecimento dos problemas familiares das crianças e jovens leva, muitas vezes, os agressores a recuarem.
Às vezes, a indisciplina tem como objetivo chamar a atenção porque os alunos se sentem sozinhos ou porque estão com problemas, contou à Lusa a agente da Escola Segura Filipa Gomes.
Há quem acredite que fazer queixa pode ser pior para o futuro do aluno. “Há crianças que podem parecer terríveis, mas, quando conhecemos os pais, até nos questionamos como é que não são muito piores”, observou a agente, que há um ano faz policiamento no centro de Lisboa e diz ter “descoberto uma realidade muito difícil de digerir”.
Também há quem não avance com queixas por receio de represálias. Na maior parte das vezes, agredido e agressor têm de conviver no mesmo espaço até ao final do ano letivo. Os professores sabem que as probabilidades de não voltar a ter os alunos dentro da sua sala de aula são raras.
No blogue Com regras aparece o caso de uma professora que foi agredida por um pai dias depois de ter pedido a um aluno que mudasse de mesa no refeitório para acabar com a barafunda que estava a provocar.
Segundo o relato da docente, o aluno acatou a ordem sem contestar, mas, ao fim do dia, em casa, terá contado uma história diferente: a professora tinha-o arrastado pelos cabelos para uma outra mesa da cantina. O pai invadiu a escola e espancou a docente.
No contador está a história de um assistente agredido quando tentava retirar o aluno da sala de aula por mau comportamento: “Mal o funcionário lhe tocou, levou um murro na cara”.
Muitas vezes, são os funcionários que separam os alunos que estão a lutar. São quem vai à sala retirar o aluno que se recusa a acatar a decisão do professor de abandonar a aula. São quem primeiro avança em defesa dos professores agredidos e também a primeira pessoa que os encarregados de educação encontram pela frente quando vão à escola “ajustar contas”.
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