No combate ao novo coronavírus, há um exército especial de crianças guerreiras a lutar há três semanas em casa para conseguir brincar com os pais aos legos, matar saudades dos amigos por videochamadas, andar de bicicleta no quintal, tocar piano ou comer gelados à sobremesa.
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Francisco, 9 anos, incorpora um setor do exército de palmo e meio que, apesar de estar em isolamento social no Porto, junto à Circunvalação, consegue construir helicópteros em peças de legos. Conquistar a atenção da mãe Patrícia para fazer puzzles é outra batalha que trava, saindo vencedor.
Para despistar saudades da escola e dos colegas de carteira, o guerreiro contacta os amigos na aplicação Zoom do telemóvel e ou dá uns toques na bola de futebol, no jardim da casa, com o pai Luís, que o ensinou a cantar duas vezes a música dos “Parabéns” enquanto lava as mãos para matar o vírus.
Numa entrevista à Lusa, com a devida distância de segurança, Francisco revela que se pudesse falar com o coronavírus dizia-lhe para não “atacar pessoas inocentes”. “Elas não lhe fizeram nada de mal, porque é que ele [coronavírus] as tem de atacar se elas nem fizeram nada de mal?”, questiona, com olhos azuis indignados.
Aquele soldadinho – para quem o novo coronavírus é parecido com um “peixe balão”, porque “também tem aquelas coisas que parecem picos” – confessa que lhe custa muito controlar as saudades dos amigos.
“Antes das férias [da Páscoa] começarem eu tive duas reuniões por Zoom com os meus amigos e com a minha professora e estivemos todos a ver-nos. Quando acabava, passado meia hora, já tinha saudades”, desabafa.
O pai Luís, orgulhoso e com a voz embargada, confessa que aquele filhote tem sido “exemplo” de coragem nesta quarentena.
Em Vila Nova de Gaia, Joana, de 9 anos, luta há três semanas contra o isolamento em casa com aulas virtuais de piano e coro. Ao piano, tocando músicas de Camila Cabello, Joana considera que o coronavírus é uma “barata” e que, se encontrasse esse inimigo, dizia-lhe para “se ir embora” e “nunca mais voltar”.
Para acalmar as saudades de amigos e família, Joana faz jogos no telemóvel, vê desenhos animados, desenha e a brinca no jardim.
A mãe Luísa revela que mais difícil nesta quarentena é “cozinhar”, “organizar as ementas” e “estar sempre a pensar o que se vai fazer”. “É muito fora do nosso ritmo e, ao mesmo tempo, manter o trabalho, porque estamos em teletrabalho e a dar-lhe atenção. É complicado”, assume.
Mafalda, de seis anos, está em isolamento no Porto com as irmãs Helena (11 anos) e Catarina (15 anos), o pai Pedro, a mãe Cláudia e Musa, a cadela de sete meses. Gosta de brincar no quarto e o seu desejo, quando o isolamento terminar, é ir para a escola ter com a Concha, a Kiki, o Guilherme, o Marc, a Titis e a Luisinha, para “brincar às super heroínas ‘cupcakes’”.
À noite, gosta de brincar “às lutas” com a irmã Helena. Algumas vezes “come gelado depois de almoço”, vê televisão e telefone e ‘tablet’ e, uma das suas maiores batalhas nestes últimos dias, foi aprender a andar de bicicleta sem rodinhas.
Sobre se já ficou triste em casa, Mafalda – que compara o coronavírus a uma “pulga”, porque é “muito pequena e não se vê” – prefere responder que gostava mais de ver toda a gente a brincar com ela no quarto. “Agora, quando estou em casa, ninguém está lá para brincar comigo, porque já ninguém pensa em brincar”, desabafa.
O pai Pedro tenta manter o otimismo e acredita que esta fase traz a possibilidade de experimentar a situação de estar “realmente com a família” e a estreitar laços.
Pedro sublinha, todavia, que tem sido “muito complicado” gerir a vida doméstica e o teletrabalho: “Já li várias que, se os cientistas não se despacharem, vão ser os pais a descobrir a cura. Tratar 24 horas sobre 24 horas de três meninas, uma cadela, cozinhar, manter a casa asseada, decidir todas as refeições com pessoas exigentes é complicado, mas faz-se o possível por manter a moral em cima e tudo animado, porque estamos a viver momentos muito estranhos”.
Inês, de 8 anos, também do Porto, é mais uma guerreira do exército de crianças que combate a pandemia a pintar, fazer legos e a brincar com o seu boneco preferido. Surge à porta de casa de mão dada à mãe Patrícia, para dizer rapidamente que o que mais lhe custa no confinamento é não poder visitar a família.
Para passar melhor o tempo, “encontra” os amigos em videochamadas e entretém-se a ver séries da televisão. Quando a quarentena terminar, o plano daquela soldadinha é “dar um abraço aos avós”.
O escudo de proteção que usa para eliminar o vírus é lavar e desinfetar as mãos muitas vezes ao dia e “tossir para o cotovelo”.
Bernardo, 10 anos, dá a entrevista à Lusa a partir de uma pequena varanda, no primeiro andar da sua casa no Porto e confessa que o seu maior desejo é voltar ao convívio com os amigos no recreio da escola Fontes Pereira de Melo.
Enquanto o sonho não se realiza, Bernardo fixa o olhar na paisagem, como se fosse um capitão, coloca-se em posição de combate com ombros direitos e diz que vai continuar a aprender a tocar bateria nas aulas virtuais, a “brincar”, “dormir muito” e ver a série “Stranger Things”, na Netflix.
“Lavar as mãos durante dois minutos” e “tirar sempre os sapatos” quando vier da rua são as ordens a seguir à risca durante esta fase de batalha, onde fazer os trabalhos de casa é o que está a cansar mais o pequeno guerreiro do Porto.
Se o coronavírus fosse um animal, Bernardo acredita que seria, sem dúvida, um morcego.
A pandemia da covid-19 surgiu na China em dezembro de 2019 e ultrapassou já um milhão de infetados e de 50.000 mortos em todo o mundo.
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